19 de set. de 2014

O folk-pop de Arthur Matos

Talento de rara sensibilidade musical, o compositor e cantor sergipano Arthur Matos lançou seu terceiro álbum, intitulado "Accidental Light", como uma das melhores surpresas do ano. Um trabalho maduro, bem produzido e de extremo bom gosto. Sob o amparo de uma sonoridade folkster (indie folk, folk-pop), ele vai mais além da abrangência do que o significado remete. Compositor refinado, Arthur elabora canções expressivas e intimistas com a tipicidade bem peculiar do estilo – aqui deixadas ao dispor do ouvinte -, como postura exemplar contra o consumismo do pop rasteiro. Pode até soar pretensioso, mas diante de tantos artifícios apregoados no volátil cenário da música moderna, a singeleza de suas composições – com uma feitura de melodias/harmonias bem pensadas e produzidas -, o coloca no patamar da qualidade musical de alto padrão.

Em "Accidental Light" temos 11 faixas complexas, com ótima produção de Fabrício Rossini,
demonstrando o progresso musical do compositor, que vem sendo elaborado desde seus dois discos anteriores (por sinal, compostos em português). Reforçado por uma banda azeitada, com execuções primorosas, arranjos coerentes e timbragens vintage, contribuindo para o acabamento de um disco perfeito! Arthur tem a veia folk que nasce de vertentes tradicionalistas e deságua no melhor conceito formato pop. Citar nomes importantes, antigos e novos, como Bob Dylan, Tim Buckley, Neil Young, Steve Earle, Neil Halstead, Frank Turner; são exemplos de referências importantes para compreender o conteúdo sonoro do compositor. No disco, Arthur gravou as vozes e os violões e recebeu a ajuda providencial dos músicos Rafael Ramos (teclados) e Diego Santana (bateria). No álbum destacam-se as faixas “Life Holds”, “Marigold” e a faixa título. É um disco gringo!

Em breve entrevista, Arthur fala do disco e sua visão particular sobre música.


Esse novo disco parece ser o resultado de uma sonoridade mais madura, e menos intimista, em relação aos outros. É mais pop, digamos assim?

 Com certeza. Nos meus dois primeiros trabalhos como artista solo, Seu Lugar (2012) e Pacífico Atlântico (2013) o foco era totalmente pessoal. Não só das letras, mas os arranjos eram um pouco mais rebuscados, obscuros eu diria. Já em Accidental Light quis prezar pela simplicidade principalmente nas letras, queria que fossem diretas e efetivas. A escolha da língua não foi por questão estética, mas sim uma coisa que tinha colocado na minha cabeça desde as gravações de Pacífico Atlântico, “meu próximo disco será em inglês”. E foi o que aconteceu, escrevi as músicas em torno de um mês, exceto “Tomorrow” que foi escrita bem antes na época da Nantes, minha antiga banda. Tudo que fiz foi fazer uma nova letra para ela, dessa vez em inglês. Daí, sentei com Fabrício Rossini (que assina a produção do álbum e também tocou guitarra e baixo) e expliquei sobre o conceito de Accidental Light, que era basicamente fazer um disco simples e que as pessoas pudessem assimilar de primeira, como costumamos dizer. Então trabalhamos nos arranjos de forma que os instrumentos fossem quase que um canto simples. Os riffs de guitarra, mellotron, as linhas de baixos, são altamente cantáveis e de fácil assimilação, juntamente com as letras simples e suas melodias. A ideia era essa. Mas creio que todo este processo de tirar um certo peso das composições é um processo natural que cada artista encontra em determinado momento.

Há algo surpreendente que você tenha descoberto, ou aprimorado, durante esse tempo de trabalhos lançados?

Muita coisa, muita mesmo! Até em obras já conhecidas e que de certa forma estava habituado a ouvir, é impressionante a quantidade de novas informações que você percebe dentro delas a cada nova ouvida. Beach Boys é um caso dentre eles, Simon and Garfunkel também, citando alguns. Mas com o passar dos anos passei a pesquisar coisas mais obscuras dentro deste universo 60’s e 70’s, no que sou eternamente lisonjeado em ter encontrado grandes compositores que de certa forma foram totalmente subestimados e ficaram perdidos no tempo. Casos como o de Judee Sill, Jackson C. Frank, Saggitarius, Vashti Bunyan, Graham Nash, tem um espaço muito grande no meu modo de ver música tanto quanto um Beatles (sou beatlemaniaco) da vida. Tudo isso somado a muita influências de artistas contemporâneos foram o estopim para esses três discos que lancei de 2012 até agora.

Embora o conceito folk seja universal, como você vê seu trabalho diante de um público pouco conhecedor desse legado “anglófilo”?

Não dei muita bola se o meu trabalho iria alcançar muita gente facilmente, sempre tentei fazer o que estava sentindo naquele momento e aderi uma sonoridade a qual realmente me identifico. Eu podia facilmente “loshermanizar” a coisa toda e estava tudo certo, o alcance iria ser notavelmente maior, disso eu tenho certeza. Mas isso não sou eu, não é minha verdade. Por isso aprecio bastante quando uma pessoa vez ou outra vem até mim e elogia o meu trabalho de forma tão singular. E assim vou indo, compondo e acreditando nessas canções.

Você acha que a necessidade de afirmação ainda é um grande “problema” na música pop, principalmente aqui em nosso país?

No fundo todos sonham em poder mostrar seus trabalhos pra muita gente, aquela coisa toda, um bom cachê, um bom camarim, boas condições no palco, mas tenho notado que os bons artistas nacionais, não só do folk, mas de uma forma geral, tem estado meio despreocupados dessas coisas de afirmação, tem todo mundo trabalhado, dando os corres, tocando em cócó, carregando amplificador, mantendo contato uns com os outros, a cena brasileira tem melhorado neste sentido, os artistas estão mais receptivos uns com os outros, e isto de certa forma ecoa no público também.

O que você tem ouvido, ou acha interessante, dentro desse contexto aqui no Brasil?

Se é que existe essa cena folk no Brasil, acredito que ela está muito bem representada, temos ótimos músicos e compositores hoje aqui nesta safra folk e acho que os que mais me emocionam são sem dúvida o Benjamin, que é um exímio compositor e violonista, e o novo trabalho da Rosanne Machado (Ex-Rosie and me) como Rosie Mankato, que é pra mim umas das promessas de futuros lançamentos. Pelo que pude conferir vem coisa fina por ai.

Gostaria de saber o que a música significa pra você. E o que especialmente o gênero folk têm de importância na sua formação musical?

Não me vejo fazendo outra coisa que não seja música. Não mais. Ela entrou em minha vida de forma muito descompromissada, mas da minha parte eu sempre fui uma pessoa que gosta de dar atenção a coisas especiais. E foi o caso da música a cada ano que passa, a cada novo som encontrado, é uma satisfação que alimenta minha alma de uma maneira que mais nada tem o mesmo efeito. Todas as minhas referências musicais, de Beatles a R.E.M., de Neil Young a Milk Carton Kids moldaram minha forma de escrever, de pensar em arranjos. Isso unido às experiências musicais divididas por todos esses anos com amigos e companheiros musicais, definitivamente me ajudaram a moldar uma expressão viva do que eu penso sobre a vida em todos os sentidos.

(matéria originalmente publicada no site O Inimigo)





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